sábado, 14 de março de 2009

Poderia ter sido, mas não foi...

Longe vão as aulas de Literatura Portuguesa, em que o professor Louro recitava Pessoa como ninguém e me fazia crescer a vontade de ler tudo o que já havia sido escrito por ele...

Longe vão as aulas de Literatura em que a professora Olga me tentava convencer que a Florbela não era demasiado "Espanca" e, que um dia, ainda viria a gostar tanto dela como de Pessoa (desculpe professora Olga, mas Pessoa continua a ser, na minha opinião, O poeta, no verdadeiro sentido da palavra.) =]

Longe vão os tempos em que este poema se exibia, no velho painel de cortiça do meu quarto, na Azevedo Coutinho... no entanto, continuo a ser tão apaixonada por Pessoa como nessa altura e não fazia qualquer sentido a existência deste blog sem este magnífico poeta cá figurar.

Hoje, no meu painel de cortiça virtual, aqui vos deixo o meu heterónimo preferido deste grande senhor e um dos poemas que mais me tocou.

Enjoy! =]

Na noite terrível, substância natural de todas as noites,
Na noite de insónia, substância natural de todas as minhas noites,
Relembro, velando em modorra incómoda,
Relembro o que fiz e o que podia ter feito na vida.
Relembro, e uma angústia espalha-se por mim todo
Como um frio do corpo ou um medo.


O irreparável do meu passado - esse é que é o cadáver!
Todos os outros cadáveres pode ser que sejam ilusão,
Todos os mortos pode ser que sejam vivos noutra parte.
Todos os meus próprios momentos passados pode ser que existam algures,
Na ilusão do espaço e do tempo,
Na falsidade do decorrer.
Mas o que eu não fui, o que eu não fiz, o que nem sequer sonhei;
O que só agora vejo que deveria ter feito,
O que só agora claramente vejo que deveria ter sido
Isso é que está morto para além de todos os Deuses,
Isso - e foi afinal o melhor de mim - é que nem os Deuses fazem viver...

Se em certa altura
Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita;
Se em certo momento
Tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim;
Se em certa conversa
Tivesse tido as frases que só agora, no meio sono elaboro
Se tudo isso tivesse sido assim,
Seria outro hoje,
E talvez o universo inteiro fosse insensivelmente levado a ser outro também.

Mas não virei para o lado irreparavelmente perdido,
Não virei nem pensei em virar,
E só agora percebo;

Mas não disse não ou não disse sim,
E só agora vejo o que não disse;
As frases que faltou dizer nesse momento
Surgem-me todas, claras, inevitáveis, naturais,
A conversa fechada concludentemente,
A matéria toda resolvida...

Mas só agora o que nunca foi, nem será para trás, me dói.
O que falhei deveras não tem esperança nenhuma,
Em sistema metafísico nenhum.

Pode ser que para outro mundo eu possa levar o que sonhei.
Mas poderei eu levar para outro mundo o que me esqueci de sonhar?

Esses sim, os sonhos por haver, é que são o cadáver.
Enterro-o no meu coração para sempre,
Para todo o tempo,
Para todos os universos.

Nesta noite em que não durmo, e o sossego me cerca
Como uma verdade de que não partilho,
E lá fora o luar, como a esperança que não tenho,
É invisível para mim.

Álvaro de Campos

1 comentário:

  1. O presente é constantemente passado e o futuro constantemente presente ;)

    E ele diz-te:

    Curtires a Vida!!!

    Beijinhos

    CS

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