sexta-feira, 3 de julho de 2009

D. Juan do séc. XXI

Esta 4ª feira pus-me a caminho de Lisboa no alfa-pendular das seis e tal da manhã. Ia cheia de sono e disposta a dormir qualquer coisita durante a viagem, mas não, não consegui. O comboio levava a bordo e, na minha carruagem (que sorte), o D. Juan dos tempos modernos.

Pois é meus senhores e minhas senhoras, ele existe mesmo, e anda aí, numa carruagem perto de si.

Enquanto lia uma dessas revistinhas feitas mesmo para estas ocasiões, óptima para embalar no sono qualquer um que as leia, fui interrompida por uma voz grave atrás de mim que, depois de ter carregado no botãozito para fechar a persiana (que apanhava também a minha janela), perguntou: - Por favor? Incomodo? Posso fechar um bocado? - embora a persiana já estivesse para baixo, respondi que não e continuei a leitura.

Passado uns dez minutos, um casal, que ia em bancos separados, pediu ao portador da voz grave que trocasse de lugar com um deles, para que pudessem seguir viagem ao lado um do outro. O persiana man não se importou e trocou. Desta vez sentou-se na coxia, na mesma linha em que eu estava. Havia apenas uma miúda sentada ao meu lado e o corredor a separar-nos (que emoção). O dito não parava de olhar para o lado. A miúda dormia, quase em cima de mim, e deixava o campo de visão livre para o D. Juan. Tentei continuar focada na leitura, apesar de me sentir extremamente observada.

Mais dez minutos volvidos, o D. Juan desaparece e eu quase consigo adormecer. Mas ainda não foi dessa... fui inesperadamente interrompida pelo macho alfa, que regressara com uns auscultadores da CP na mão e se dirigiu a mim dizendo: - Tome, são para si! - e esboçou um enorme sorriso, que lhe rasgava a cara de um lado ao outro, tocando as orelhas.
- Para mim?!!... Obrigada! - e fiquei feita ursa com aquilo na mão e mil e um pensamentos a passarem pela minha cabeça.

Ainda de sorriso na cara, o D. Juan não parava de me observar, na expectativa de alguma conversa... ficava mal continuar a ler a revista, mas também não queria conversar com a personagem. Resolvi então desempacotar os ditos auscultadores e começar a ouvir rádio... assim não teríamos de conversar. Fiz um sorriso amarelo e acenei com a cabeça como que a dizer: - Muito bom!- É então que o D. Juan saca de outros auscultadores e se põe a ouvir em simultâneo comigo (que romântico). Se acham que ficou por aqui, enganam-se. Começou depois a conversar comigo em voz alta, para que eu o pudesse ouvir, apesar de ter os auscultadores nos ouvidos: - Só temos quatro canais! O um, o dois, o três e o quatro, que é a TV... - eu apenas esbocei o sorriso amarelo e acenei com a cabeça. Já farta do que ouvia nas quatro opções fantásticas, e achando que já tinha cumprido a minha missão, retirei os auscultadores dos ouvidos e agarrei novamente na minha revista.

Tinha fome, mas não queria de modo nenhum ser perseguida até ao bar, ou dar sinais falsos ao macho alfa, que iria entender a minha retirada como um: «- Segue-me garanhão... Graaauuuu...»- deixei-me, por isso, ficar esfomeada e sentadinha no lugar, à espera que passasse o barman do comboio com o carrinho da comida. De facto passou, mas quando chegou a mim já não trazia quase nada... e eu queria tanto um leite com chocolate e uma sandes, algo que lembrasse um pequeno almoço. Esperei mais dez minutos e saí de mansinho.

Cheguei à carruagem bar e ali fiquei ao balcão, sem olhar para mais lado nenhum. Pedi o meu Ucal e a minha sandocha de queijo, paguei e quando me virei para regressar ao lugar... tchanaaam... lá estava ele, el matador, com o seu olhar de : - Olá garina! (de sobrancelha a subir e a descer e sorriso meio de lado)- e pressiona o botãozito que abre a porta, ronronando um «se faz favor...» e cedendo-me a passagem. Voltei a ter que dizer obrigado e retirei-me com o sorriso amarelo para o meu lugar, enquanto pensava: «- Isto não me está a acontecer, devo estar a ter delírios de sono.»...

Uns dois ou três minutos depois, o D. Juan também já estava sentado ao meu lado, do outro lado da coxia, completamente voltado para mim, à espera de uma conversa que não chegou. Já não sabendo como reagir, voltei-me para a janela e assim fiquei todo o percurso. Ia já cheia de dores no pescoço, com um género de torcicolo, sem posição, a tentar que o macho alfa percebesse que eu não estava a corresponder às suas investidas descaradas.

- Desculpe, vai a Lisboa em passeio? Desculpe a coscuvelhice!
- Não, não vou. - e já nem o sorriso consegui esboçar, estava já demasiado incomodada e irritada com a situação. Comecei então a tirar o preço da revista com a unha...
- Não faça isso, olhe que estraga as unhas!

Já nem respondi, voltei-me apenas para o lado e tentei dormir. Acabei mesmo por adormecer e acordei em sobressalto, ainda com o olhar do macho alfa em cima de mim. Perguntei à rapariga ao meu lado, que já ia acordada: - Desculpa, já passámos Entrecampos? - e antes que a miúda conseguisse responder, o D. Juan apressou-se a dizer:
- Não. ainda nem passámos a ponte.
- Obrigado! - respondi.
- Já me está a dizer muitas vezes obrigado hoje! - responde o macho alfa com o seu grande sorriso cintilante.

Esbocei novamente o sorriso amarelo e voltei-me para a janela, posição em que me mantive até final da viagem.

Quando finalmente o comboio chegou a Entrecampos, saí radiante do meu lugar e feliz, porque o macho alfa não se encontrava sentado no lugar dele. Pensei sorridente que deveria ter ido à casa de banho ou já devia ter saído noutra paragem. Enganei-me!! Estava encostado à saída da carruagem, estrategicamente bem posicionado, com pose de Tarzan, à espera que eu descesse: - Então adeus!- regurgitou.

Saí quase a correr, sem sequer olhar para trás, não fosse o macho alfa sair atrás de mim, qual filme de terror.